Amor de Perdição
Author: Camilo Castelo Branco
Desc: Nas «Memórias do Cárcere» referindo-me ao romance que novamente se imprime escrevi estas linhas: «O romance escrito em seguimento daquele («O Romance de um Homem Rico») foi o «Amor de Perdição». Desde menino ouvia eu contar a triste história de meu tio paterno Simão António Botelho. Minha tia irmã dele solicitada por minha curiosidade estava sempre pronta a repetir o facto aligado à sua mocidade. Lembrou-me naturalmente na cadeia muitas vezes meu tio que ali deveria estar inscrito no livro das entradas no cárcere e no das saídas para o degredo. Folheei os livros desde os de 1800 e achei a notícia com pouca fadiga e alvoroços de contentamento como se em minha alçada estivesse adornar-lhe a memória como recompensa das suas trágicas e afrontosas dores em vida tão breve. Sabia eu que em casa de minha irmã estavam acantoados uns maços de papéis antigos tendentes a esclarecer a nebulosa história de meu tio. Pedi aos contemporâneos que o conheceram notícias e miudezas a fim de entrar de consciência naquele trabalho. Escrevi o romance em quinze dias os mais atormentados de minha vida. Tão horrorizada tenho deles a memória que nunca mais abrirei o «Amor de Perdição» nem lhe passarei a lima sobre os defeitos nas edições futuras se é que não saiu tolhiço incorrigível da primeira. Não sei se lá digo que meu tio Simão chorava e menos sei se o leitor chorou com ele. De mim lhe juro que…» Vão passados quase dois anos depois que protestei não mais abrir este romance. […] Este livro cujo êxito se me antolhava mau quando eu o ia escrevendo teve uma recepção de primazia sobre todos os seus irmãos. Movia-me à desconfiança o ser ele triste sem interpolação de risos sombrio e rematado por catástrofe de confranger o ânimo dos leitores que se interessam na boa sorte de uns e no castigo de outros personagens. Em honra e louvor das pessoas que estimaram o meu livro confessarei agradavelmente que julguei mal delas. […] O livro agradou como está. Seria desacerto e ingratidão demudar sensivelmente quer na essência quer na compostura o que tal qual é foi bem recebido. Do Prefácio da Segunda Edição. Porto Setembro de 1863 Camilo Castelo Branco